sábado, 7 de agosto de 2010




Não queiras ser.
Não ambiciones.
Não marques limites ao teu caminho.
A Eternidade é muito longa.
E dentro dela tu te moves, eterno.
Sê o que vem e o que vai.
Sem forma.
Sem termo.
Como uma grande luz difusa.
Filha de nenhum sol.

Cecília Meireles



...




Não sei distinguir no céu a varias constelações:

não sei os nomes de todos os peixes e flores,

nem dos rios nem das montanhas:

caminho por entre secretas coisas,

a cada lugar em que meus olhos pousam,

minha boca dirige uma pergunta.


 

Não sei o nome de todos os habitantes do mundo.

nem verei jamais todos os seus rostos,

embora sejam meus contemporâneos.



 
Não, não sei, na verdade, como são em corpo e alma

todos os meus amigos e parentes.

Não entendo todas as coisas que dizem,

não compreendo bem de que vivem, como vivem,

como pensam que estão vivendo.



Não me conheço completamente,

só nos espelhos me encontro,

tenho muita pena de mim.



Não penso todos os dias exatamente

do mesmo modo.

As mesmas coisas me parecem a cada instante diversas.

Amo e desamo, sofro e deixo de sofrer,

ao mesmo tempo, nas mesmas circunstancias.


Aprendo e desaprendo,

esqueço e lembro,

meu Deus, que águas são estas onde vivo,

que ondulam em mim, dentro e fora de mim?


Se dizem meu nome, atendo por habito.

Que nome é o meu?

Ignoro tudo.


Quando alguém diz que sabe alguma coisa,

fico perplexa:

ou estará enganado, ou é um farsante

- ou somente eu ignoro e me ignoro e me ignoro desta maneira?


E os homens combatem pelo que julgam saber.

E eu, que estudo tanto,

inclino a cabeça sem ilusões,

e a minha ignorância enche-me de lagrimas as mãos.



1960
Cecília Meireles

In: O Estudante Empírico (1959-1964)

Nenhum comentário: